Como o mar está mau e o peixe escasso, decidi hoje aqui contar-vos uma estória
que fui buscar ao baú das recordações, onde as fotografias já vão ganhando o
bafio dos anos…
Pois
aconteceu há muito, muito tempo, se a memória não me falha, a estória que vou
contar, e isto apesar de o tempo ser sempre algo muito relativo…
Era uma vez cinco
amigos, que, aproveitando a previsão de um dia de inverno daqueles que aparecem
muito poucas vezes, decidiram arriscar fazer 200km para tentar um mergulho num
spot especial, desconhecido de quase todos, mas de que alguns já tinham ouvido
falar, algures na costa vicentina.
A recolha
começou cedo, pouco depois das sete, em Almada, e pelo caminho fomo-nos
encontrando com os restantes para iniciar a viagem rumo a sul, num carro
carregado de tralha e com problemas na bateria, mas cuja tração integral
contávamos que nos pudesse safar nos caminhos difíceis que sabíamos ter que
trilhar. Pelo caminho falava-se de tudo um pouco, que nem sempre tínhamos as
oportunidades que gostaríamos para pôr a conversa em dia.
Quanto à
pescaria, o sentimento inicial era de desconfiança, já que as águas andavam
frias e as últimas saídas de pesca que cada um de nós tinha feito nos dias
anteriores apontavam para haver pouco peixe. A chegada ao local, recordo-me
agora, foi magnífica, pois demos com um cenário esplêndido apesar de a
distância dos anos alindar sempre um pouco as memórias, mas de facto era um
pesqueiro bonito, com água luza e que o dia luminoso tornava ainda mais clara…
Apetecia mesmo ir para dentro de água, mas tínhamos uma bela duna e mais uma
boa escarpa para enfrentar até chegar ao mar, daquelas que nos fazem pensar que,
se a pesca corre bem, “estou lixado com F grande para carregar o material até
ao carro”. Bem, toca mas é a vestir e a despachar, que para lá é a descer, e
meia horinha depois estávamos já todos prontinhos para entrar na água e a tirar
os azimutes às pedras, a que tínhamos tirado as medidas cá do cimo da ravina.
Entrados na água esta apresentava-se
praticamente transparente, mas fresquinha (13º), como já se esperava, com
algum peixe a dar sinal de vida e de que a coisa podia afinal compor-se. Apesar
de, ao fim de hora e meia de pesca, apenas ter um belo choco e dois polvos, eu, o
Guia e o Rosado não desistimos e fomos andando para norte, que o bruto do
Mourinha tinha logo dito que queria ir para fora e para sul à procura de
troféus. Lembro-me que passei pelo Guia, que me surpreendeu já com uma bela
dourada no enfião, e de seguida levei um baile de 3 robalos enquanto um dente
me chateava a cada mergulho e me dificultava as compensações.
Mas, de um momento para o outro, a
pesca virou, fiz uma dupla de sargos num buraco e até me passou a dor no dente,
de seguida passei pelo Guia que estava à volta de uma laje de onde já teria tirado
uns quatro ou cinco sargos e logo depois fui chamado pelo Rosado, que já tinha
uma linda saima no enfião, para o ajudar numa laje que parecia uma fonte de
sargos, onde ele já tinha feito duas triplas e cujos habitantes, não obstante,
continuavam a sentir-se confortáveis.
Foram umas duas horas de pesca à
antiga, como hoje já não se usa, abundante mas seletiva e em que todos trouxemos os exemplares
necessários para repôr os níveis das arcas, algo depauperadas pelos últimos
meses de mar agreste. Para finalizar ainda apanhei um belo rascasso e mais dois
polvos, e eis que chegada a hora combinada, tudo de papo cheio, regressámos a
terra com as pranchas mais pesadas, onde já nos aguardava o Mourinha com um
sorriso de orelha a orelha, que o Paulo esse já tinha iniciado a escalada do
Everest.
Após a arrumação do material e as
fotos da praxe, carregadinhos de boas memórias, olhámos para a escalada que nos
esperava e disse a mim próprio mais uma vez que nesse dia ia iniciar uma dieta,
já que tinha uns 20 ou 30kg a mais que os restantes para carregar (e não estou
a falar de peixe). Escalámos o Pirinéu, alguns com mais dificuldades que os
outros (e que saudades eu tive nesse momento das saídas de barco, mesmo que
fosse um velho zebro) e quando chegámos aos carros, lá saiu mais uma vez a
pergunta do dia: “Aconselhavas esta experiência a um amigo teu?” Resposta: "Só se fosse mesmo muito, muito amigo..."
Faina arrumada, que havia muito quem
olhasse para o relógio, arrancámos com pressa, mas, como a fome atormentava
algumas almas menos nutridas, ainda tivemos que parar a meio caminho para degustar
uma bela bifana na “da Sónia”, à saída de Vila Nova de Mil Fontes, que como
sabe bem quem anda nestas andanças, soube a manjar. Volvidos tantos anos, às
vezes a saudade aperta e lembro-me que um destes dias teremos de voltar lá, aos
mesmos locais, se possível desta vez com a “Cnocasub” como companhia, embora
todos saibamos que há anos e dias que nunca mais se repetem…
Com um abraço subaquático,
Rogério Santana
Grande Santana! Bela memória e excelente narrativa! De facto temos que lá voltar, depois de ver essas fotografias fiquei cheio de saudades... pelo menos as bifanas da Sónia, essas ninguém nos tira! Eh, eh, eh...
ResponderEliminarBoas!!
ResponderEliminarRealmente, uma pesca e fotos com aspecto antigas e fatos super actuais :)
Gostei muito do relato, com uns peixes de bitola e quantidade a condizer...
Daqueles dias, para mais tarde recordar em todos os aspectos !!
Força aí
Forte abraço
Pena já não haver dias assim... ;)
ResponderEliminarGandas pescadores....até faz inveja aqui ao açoriano.
ResponderEliminarEstá a chegar o verão e logo, logo tiro a barriga da miséria.
Parabéns.´
João Sousa
Pois é grande João, se calhar ainda vamos tirar a barriga da miséria os dois juntos... e desforrar-mo-nos destes gajos!
EliminarAbraço
São dias assim que nos deixam a pensar e a falar - dias perfeitos!
ResponderEliminarExcelênte história!
Abraço
NR
Uma boa estória, mas uma melhor memória de todos quantos viveram o momento.
ResponderEliminarQuanto ao relato, com tanto tempo a amadurecer e com a ajuda do guardião-mor deste blog, só podia sair bem.
Uma coisa é certa: Quem porfia, mata caça.
Abraços,
RS
Nuno, a resposta é SIM. Sim, recomendaria esta experiência a um amigo mas, para além de amigo tinha de ser irmão.
ResponderEliminarGostava de voltar a agradecer-te a jornada/aventura de pesca.
Um dia destes pego nos vídeos e faço uma edição para ficar para a posteridade.
Foi um dia perfeito e intenso....
Grande abraço e bem vindo ao Clube.
Hugo da Guia
Foi de facto um dia fabuloso!
ResponderEliminarFoi uma pescaria quase dos tempos deste vídeo, de que recomendo a visualização:
https://vimeo.com/72055098
Realizado pelo Jaques Costeau, sobre os primórdios da pesca submarina...
Abraço
Pois, mas esse filme é do tempo em que se podiam apanhar meros, raias, lagostas, pois ainda não "tinhamos" colocado essas espécies em risco de extinção.
ResponderEliminarAgora, ficamo-nos pelos sargos e pelos bodiões e já não é mau.
Por falar em recordações:
ResponderEliminar- http://www.youtube.com/watch?v=e5y76p4ksm8
- e já faz 10 aninhos que perdemos Sesimbra.
Este último cometário foi meu.
ResponderEliminarNuno Rosado
Sabes Nuno, eu acho que é bom haver reservas pois elas podem representar zonas importantes de reprodução que permitam que haja mais peixe também nas zonas fora delas. Isto não significa que concorde com a forma, e Sesimbra é um exemplo... O problema da forma como as coisas são feitas é que muitas vezes os resultados não são os esperados e as reservas funcionam apenas como coutadas de alguns... É como diria um amigo meu " se metes a cenoura muito distante do burro, o burro não puxa..." Mas não há que ter visões naifs sobre os efeitos da pesca submarina: se os pescadores submarinos não contribuissem para alterar os habitats nós não teríamos qualquer problema em revelar onde fizemos esta pescaria...
ResponderEliminarAbraço
Boa tarde António Mourinha,
EliminarGostava como pescador submarino mostrar a minha discórdia quase total das "visões naifs" que referiu, pois considero que a pesca-submarina não contribui de todo para alterar os habitats. Recordo que pesca-submarina é uma atividade regulada, quer se concorde ou não com o enquadramento legal da mesma, e só me estou a referir à que é praticada dentro dessa regulamentação, o resto não deve/pode ser considerada como tal. E embora o meu entendimento relativamente à divulgação de spots seja de alguma contenção, é poque considero que os pontos quentes de peixe são zonas muitas das vezes pequenas demais para serem divulgadas publicamente, como exemplo disso temos aqueles buracos, ou sítios em que com alguma periodicidade ou determinadas condições aparecem peixes/troféus. Ou até aquela zona de alga em que temos fé no tal bebê (robalo com + de 5 kg), mas que se tivermos alguém lá para além do nosso body, já sabemos de antemão que não vamos apanhar nada. A fé quanto a mim neste desporto "traz" claramente resultados.
E quando no outro dia escrevi que uma praia não é um spot, é porque considero certo contudo, caso divulgássemos a qualquer um tudo o que sabemos e que demorou anos a entender, ficaríamos privados de algumas vezes estarmos calmos e serenos a explorar uma ou outra zona e de ir aquele buraco que nós ACHÁMOS que descobrimos.
Relativamente a alteração dos habitats e para finalizar, eu considero acima de tudo que nós somos mas é uns bons espantalhos de peixe, e que se o fulano A passar no "meu" buraco ou ponto quente, ou irá capturar um ou outro peixe ou simplesmente vai espantar aquele peixe que tem a medida certa do meu forno....
Grande abraço.
iPad
Essa é uma boa teoria: nós espantamos peixes... para os nossos fornos... eh, eh, eh...
EliminarAgora mais a sério, alterar um habitat não quer dizer necessáriamente que seja só baseado nas capturas, por exemplo quem percorre uma parede a fazer pesca na espuma já sabe que nos próximos dois a três dias o peixe não vai voltar lá, pelo menos com o mesmo comportamento.
O que escrevi acima também não significa que não considere a pesca submarina a pesca mais seletiva de todas e aquela que menos altera os habitats, mas que altera, altera, volto a frisar, menos que todas as outras. Por outro lado um pescador submarino responsável conhece o mar e sabe isso, pois não captura determinados exemplares, não "seca" um local, varia os seus locais de captura, etc., etc., etc. Mas por outro lado temos que reconhecer que nem todos os pescadores submarinos praticam a atividade desta forma responsável. Claro que poderá sempre argumentar-se que esses não são pescadores submarinos na verdadeira acepção da palavra, mas esse será sempre um conceito difícil de entender tanto por muitos praticantes, como por quem não pratica a atividade.
Abraço,
Resumindo, tudo tem um impacto, até nadar, dar comida aos peixes e fazer-lhes festinhas.
EliminarUma coisa é certa, poucas são as zonas, aqui no continente, onde se consegue manter uma prática assídua da nossa paixão e Sesimbra perdeu-se de vista e com ela um enorme choque na modalidade.
Depois aprendemos coisas novas, como por exemplo, ao reservar um lugar concentramos todos os praticantes no outro. As Bicas, antes um lugar pouco frequentado, é hoje conhecido como o CCB (Centro Comercial das Bicas) devido ao colorido das bóias laranjas no dias de calmia e o enclave entre o molhe da Figueirinha e o Farol do Outão conhecido como Faixa de Gaza, 300mts de areia e de água corrente. Estes são 2 exemplos claros de que a pressão varia em função da superficie em que é aplicada :-)
Mas como nem tudo é negativa, ao fechar a "porta" de Sesimbra, abriram-se janelas por todo o lado e aprendemos muitos lugares novos e novas formas de pescar e se a intenção era "matar" a nossa pesca, a verdade é que ficámos mais fortes, mais versáteis e continuamos a "semear" nomes nos mais altos pódios mundiais.
Abraço
Nuno Rosado
Ok, sabes que sou de acordo com reservas e com limites mas acima de tudo com a correção e respeito entre as partes. Sesimbra foi-nos vedado com a promessa de que seriam avaliados os impactes e repensadas as restrições após 5 anos. Essa parte já foi há 5 anos e entretanto a modalidade, desprovida de "maternidade" perdeu grande parte dos praticantes e a capacidade de se renovar já que existe mil desportos mais acessíveis e atrativos para quem é miúdo e quer começar.
ResponderEliminarEra só para relembrar que este anos faz 10 anos desde que perdemos a "mãe" Sesimbra.
Grande abraço
NR
Ja vi que este NR é o exemplar subaquatico que procuro. Sim...existem desportos novos...mas quem gosta, gosta...daí ter voltado a vestir o fato...não de Kite mas de mergulho. Hoje fui a Cova do vapor, mas a água parecia caldo verde.... e esta temporada a andar somente acima da linha de água fez com que as minhas guelras se fechassem e a caixa não permita grandes mergulhos, mas com (muito) treino talvez volte a merecer o teu convite pra uma sessão de caça.
ResponderEliminarJá sabes que estou de volta a água ( abaixo da linha)...naqueles dias que não há vento...!!! Porque só um vício não presta...no mínimo tem de ser dois !!!
Abraço a todos
Sachao